Consumidor tem maior dificuldade para fechar a compra e conseguir crédito de financiamento na entrega das chaves, mas mercado ainda não está perdidoenquanto Selic está em 12,75%, crédito está em 9,53% ao ano.

A alta de juros e os reajustes nos lançamentos, em apenas um ano, limitaram significativamente o poder de compra de quem busca um imóvel novo. O consumidor tem seu poder de compra afetado duplamente: ele consegue financiar menos de um imóvel mais caro. O resultado é que os distratos, fantasma do setor na crise da década passada, ressurgem no cenário.

Um financiamento imobiliário, na modalidade da tabela SAC, que se iniciasse com uma parcela de R$ 5 mil, em maio deste ano, poderia conseguir crédito de R$ 481,6 mil, suficiente para compor a compra de uma casa ou apartamento de R$ 602 mil, com 20% de entrada. Há um ano, esse valor era de R$ 733 mil, segundo simulação feita pela assessoria digital Kzas Krédito.

Na outra ponta, em 2021, o preço médio da unidade lançada em São Paulo foi de R$ 525,4 mil, em valores atualizados, de acordo com o Secovi-SP. Já até abril deste ano, a média é de R$ 545,3 mil.

Essa situação já é visível no dia a dia das incorporadoras, que, do seu lado, estão aumentando o valor dos apartamentos por causa da inflação, que tornou a construção mais cara.

Carlos Borges, CEO da Tarjab, afirma que há uma dificuldade maior dos clientes em conseguir comprovar a renda necessária para a compra das unidades, o que também é sentido pela Conx, de acordo com o diretor de incorporação da empresa, Marcio Luz Buk. “O cliente ainda está digerindo os novos valores, percebemos uma migração para regiões mais baratas e, para quem não quer mudar o local, sentimos que o tempo de tomada de decisão aumentou.”

Além de dificultar novas vendas, o financiamento mais caro pode atingir quem está prestes a pegar a chave do seu imóvel. O saldo devedor do financiamento é atualizado pelo Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Desde o início de 2020, por exemplo, a alta acumulada no indicador é de 26,96%, o que passa a sensação de “enxugar gelo” para quem já pagou até um terço do imóvel como entrada e se depara com o mesmo valor inicial ainda a ser financiado.

Nem todo comprador teve sua renda atualizada no mesmo ritmo dos aumentos dos preços e dos juros, o que pode inviabilizar o financiamento e levar a distratos. Borges diz já perceber um aumento nessas ocorrências, apesar de elas ainda não terem atingido um ponto de atenção.

Rodrigo Mauro, diretor-geral da REM, que atua no médio-alto padrão e entregou 300 unidades no início de fevereiro, afirma que não registrou aumento nos distratos, mas aponta para o valor dos imóveis como um motivo para isso. Vendidos a cerca de R$ 1,1 milhão, eles exigem renda mínima de pelo menos R$ 30 mil mensais, ou seja, abarcam uma parcela da população menos afetada pela inflação e aumento de juros. Porém, caso as taxas continuem subindo, assim como o preço das unidades, esse público também pode ser atingido. “Temos mais três empreendimentos para entregar, não sei como vai estar no fim do ano.”

A saída adotada pelas incorporadoras é tentar ajudar o cliente a conseguir o financiamento ou a não precisar recorrer ao distrato, renegociando pagamentos e incentivando a troca por um imóvel de valor menor. Internamente, elas procuram melhorar a eficiência operacional e fazer projetos em locais que atraiam um público com renda mais elevada.

Apesar de todos esses impactos no setor, Roberto Nascimento, um dos fundadores da assessoria de crédito imobiliário Kzas Krédito, ressalta que a evolução da taxa de juros do financiamento imobiliário não segue o mesmo ritmo do aumento da taxa Selic. Em agosto de 2020, quando a taxa básica de juros atingiu seu valor mínimo, de 2% ao ano, a taxa média do financiamento imobiliário estava em 7,64% ao ano. De lá pra cá, a Selic se elevou para 12,75% ao ano, mas o crédito imobiliário custa, em média, 9,53% ao ano, de acordo com o levantamento da assessoria.

“A taxa de financiamento variou 25% enquanto a Selic aumentou seis vezes”, diz. Para ele, isso prova que, diante do atual cenário, essa modalidade de financiamento não está cara.

A causa desse comportamento é a origem do recurso do crédito imobiliário, a poupança, que possui trava para a rentabilidade e não se encarece na mesma medida que outros fundos. No entanto, essa é a mesma explicação para a queda no saldo da poupança SBPE, destinada para habitação, que se reduziu 1,7% em abril, na comparação com o mesmo mês do ano passado. Ela deixou de ser atrativa para os poupadores.

“Com isso, o banco que não tem tanta disponibilidade para emprestar ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), tem que tentar compor esse dinheiro de outra forma e acaba aumentando o valor do financiamento”, diz. A atratividade do financiamento não está pior porque a Caixa Econômica Federal, hoje o maior provedor desse crédito, está mantendo sua taxa de juros com valor mínimo de 8% ao ano, mais TR. “O Pedro Guimarães [presidente da Caixa] está sendo agressivo no crédito imobiliário, a Caixa puxa para baixo os outros bancos”, afirma Nascimento.

Publicado originalmente por Ana Luiza Tieghi via Valor Econômico, SP.